domingo, 23 de março de 2008

COMO ORAR AO DEUS QUE HABITA NA NOSSA HISTÓRIA



COMO ORAR AO DEUS QUE HABITA NA NOSSA HISTÓRIA

COMO ORAR AO DEUS QUE
HABITA NA NOSSA HISTÓRIA
Miguel Márquez


REDESCOBRIR A RAÍZ

(Habita na nossa história mas há que redescobri-lo)
Alguns autores espirituais que depois de muito tempo de experiência se converteram:

- Nouwen: Começou a viver num lugar dentro de si onde antes nunca tinha estado, onde se sentia amado – cf. O regresso do Filho Pródigo.

Durante anos tratou de ver a Deus na diversidade de experiências humanas: solidão e amor, pena e alegria, ressentimento e gratidão, guerra y paz. Tentou compreender as vicissitudes da alma humana, para poder perceber a fome e a sede que só um Deus cujo nome é Amor podia satisfazer. Tratou de descobrir o duradouro para além do passageiro, o eterno para além do temporal, o amor perfeito para além dos medos que nos paralisam, e a consolação divina para além da desolação provocada pela angustia e o desespero humanos. Procurou projectar-me para além da qualidade mortal da nossa existência até uma presença mais duradoura, mais profunda, mais aberta e mais maravilhosa do que podemos imaginar, e tentava falar dessa presença como uma presença que já desde agora pode ser vista, ouvida e apalpada por aqueles que querem crer.
Sem dúvida, no tempo passado aqui, em Daybreak, fui conduzido a um lugar mais interior, um lugar em que não tinha estado antes. É um lugar dentro de mim onde Deus elegeu hospedar-se. É um lugar onde me sinto a salvo no abraço de um Deus todo amor que me chama pelo meu nome e me diz: Tu és o meu filho amado, em quem me comprazo. É um lugar onde saboreio a alegria e a paz que não existem neste mundo.
Este lugar sempre esteve ali. Eu sempre soube que era a fonte da graça. Sem dúvida, não havia sido capaz de entrar e viver ali de verdade.
Com os meus pensamentos, sentimentos, emoções e paixões, estava constantemente fora do lugar que Deus tinha elegido para fazer a sua morada. Chegar a casa e permanecer ali onde Deus habita, escutar a voz da verdade e do amor, era o que mais medo me dava porque sabia que Deus era um amante ciumento que queria tudo de mim em todo o momento. Quando estaria preparado para aceitar essa classe de amor?
Deus mesmo me mostraria o caminho. As crises físicas e emocionais interromperam a vida tão atarefada que levava em Daybreak e me obrigaram a voltar a casa e procurar Deus no único lugar onde podia procurá-lo: no meu próprio santuário interior. Não posso dizer que o tenha conseguido; nunca o faria nesta vida, porque o caminho até Deus chega muito mais para além das fronteiras da morte. É uma viagem longa e muito exigente, mas está cheia de surpresas maravilhosas e muitas vezes proporciona-nos a satisfação do objectivo cumprido. (Ob. Cit., pp. 21-23.)

quarta-feira, 12 de março de 2008

A renúncia de si mesmo e a purificação do coração

Desarmado, fraco e desprovido depoderes, empreende a mais difícil das tarefas: vencer teus próprios desejos egoístas. É exatamente isso a "perseguição de si mesmo" de que depende, finalmente, o resultado do teu combate; pois, enquanto a tua vontade egoísta dominar, não poderás dizer ao Senhor com coração puro: "Que seja feita a tua vontade." Se não te podes desfazer da tua própria grandeza, não poderás abrir-te à verdadeira grandeza. Se te agarras à própria liberdade, não poderás tomar parte na verdadeira liberdade, que é o reino de uma única vontade. O mais profundo segredo dos santos é este: não procures a liberdade, e a liberdade te será dada. A terra não produzirá senão cardos e espinhos, diz a Escritura. É com o suor do seu rosto, com muito sofrimento, que o homem deve cultivá-la. Esta terra é o homem mesmo, sua própria natureza. Os santos Padres aconselham a começar pelas coisas pequenas; pois, como diz Santo Efrém, o Sírio, como poderias apagar um grande incêndio antes de aprender a abafar um fogo de pequenas proporções? Se queres ser capaz de resistir a uma paixão violenta — dizem os santos Padres — abate os pequenos desejos. Não creias que se possa separá-los uns dos outros: eles se prendem como os elos de uma corrente, como as malhas de uma rede. Por isso, de nada serve atacar os vícios principais e os maus hábitos que te opõem forte resistência, se ao mesmo tempo não te esforças por vencer as pequenas fraquezas "inocentes": pequenas gulas, tentação de falar, curiosidade, hábito de se meter nos assuntos dos outros. Todos os nossos desejos, de facto, grandes ou pequenos, têm o mesmo fundamento: o nosso hábito constante de satisfazer apenas a nossa própria vontade. É, portanto, a vontade própria que deve ser condenada à morte. Desde o pecado original, nossa vontade está exclusivamente a serviço do nosso próprio "eu." Assim, o objetivo do combate é a morte da vontade própria. É preciso começar sem demora, e prosseguir na luta sem descanso. Tens vontade de fazer uma pergunta? Não a faça! Tens muita vontade de tomar duas xícaras de café? Toma apenas uma! Tens a tentação de olhar pela janela? Não olhes! Tens desejo de visitar alguém? Fica em casa. Isso é perseguir a si mesmo. Através desse meio, com a ajuda de Deus, faz-se calar a voz ruidosa da própria vontade. Talvez te perguntes se isso é realmente necessário. Os santos Padres respondem com outra pergunta: Crês mesmo que seja possível encher um vaso com água pura, sem despejar primeiro a água suja que nele se encontra? Ou gostarias de receber um hóspede amado, num quarto abarrotado com toda espécie de velharias e de objetos postos de lado? Não. "Todo o que tem esperança de ver o Senhor tal como ele é, purifica-se a si mesmo," diz o apóstolo São João (1Jo 3:3). Purifiquemos, pois, o nosso coração! Joguemos fora todas as velharias empoeiradas que aí se acumulam; lavemos o chão com escova, limpemos os vidros e abramos as janelas, para que o ar e a luz entrem no quarto, onde queremos fazer um santuário para o Senhor. Troquemos enfim de roupa, para que o nosso velho cheiro de bolor já não fique em nós, e para que não sejamos lançados fora (cf. Lc 13:28). Eis o nosso labor de cada dia e de cada instante. Fazendo isso, estaremos apenas cumprindo o que o Senhor nos ordenou por seu santo apóstolo Tiago: "... santificai os vossos corações" (Tg 4:8). Pede-nos o apóstolo Paulo: "... purifiquemo-nos de toda mancha da carne e do espírito" (2Cor 7:1). Diz o Cristo: "Com efeito, é de dentro do coração dos homens que saem as intenções malignas: prostituições, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, malícia, devassidão, inveja, difamação, arrogância, insensatez. Todas estas coisas más saem de dentro do homem, e são elas que o tornam impuro" (Mc 7:21-23). Por isso, ele exorta assim os fariseus: "... limpa primeiro o interior do copo para que também o exterior fique limpo!" (Mt 23:26). Pondo em prática esse preceito de começar pelo interior, devemos ter presente em nosso espírito que não é, de modo algum, por nós mesmos, que purificamos o nosso coração. Não é para a satisfação pessoal que limpamos e polimos o quarto de hóspedes, mas sim para que o nosso hóspede se sinta bem. Nós nos perguntamos: "Será que vai achá-lo a seu gosto? Irá ficar?" Todo o nosso pensamento é para ele. Depois nos retiramos, ficamos em segundo plano, sem esperar resposta. Como explica Nicétas Stéthatos, existem para o homem três estados: o homem carnal, que quer viver para o próprio prazer, mesmo em detrimento dos outros; o homem natural, que deseja agradar ao mesmo tempo a si mesmo e aos outros; o homem espiritual, que quer agradar só a Deus ainda que seja em detrimento de si próprio. O primeiro está abaixo da natureza; o segundo está conforme à natureza; o terceiro está acima da natureza: é a vida no Cristo. O homem espiritual pensa espiritualmente; sua esperança é ouvir um dia os anjos se alegrarem "... por um só pecador que se converte" (Lc 15:10), um pecador que não é outro senão ele mesmo. Que sejam esses os teus sentimentos; trabalha animado por essa esperança, pois o Senhor nos deu este preceito: "... deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito" (Mt 5:48), e "Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça" (Mt 6:33). Não te concedas repouso algum, nenhuma trégua, até que tenhas condenado à morte essa parte de ti mesmo que provém da natureza carnal. Toma a resolução de descobrir em ti toda manifestação do homem animal, e de persegui-lo implacavelmente. "Pois a carne tem aspirações contrárias ao espírito e o espírito contrárias à carne" (Gl 5:17). Mas se temes tornar-te justo a teus próprios olhos, trabalhando para a tua salvação; se temes ser vencido pelo orgulho espiritual, examina-te a ti mesmo, e diz que aquele que teme tornar-se justo a seus próprios olhos, é cego. Porque não vê que ele é justo a seus próprios olhos.